sábado, 13 de junho de 2009

Resenha “O ficar na adolescência e paradigmas de relacionamento amorosos na contemporeneidade” – José Sterza Justo

A adolescência é conhecida como uma fase da vida onde os sujeitos estão mais suscetíveis às influências sociais, visto que esta é uma fase de transição entre o mundo privado para o mundo público, quando o indivíduo abandona o “casulo protetivo” da família e conhece o universo muito mais amplo e complexo da sociedade. Diferentemente dos adultos, o adolescente não possui defesas egóicas capaz de aliviar o impacto das mudanças socioeconômicas e culturais vividas devido à diferença entre estes dois mundos (privado e público). Este primeiro contato cria o que chamamos de crise da adolescência, que ao se referir a esta fase da vida recebe um valor semântico valorativo, visto que representa ganhos ou melhorias para o sujeito. A partir desta concepção, a adolescência é vista como expressão máxima de juventude, beleza, liberdade, espírito crítico, disposição para mudança e de outros tantos atributos que a fazem uma fase bastante prestigiada e cobiçada.
A partir do século XX podemos perceber uma valorização da adolescência no mundo ocidental. Na cultura brasileira recebeu ainda mais reforço por esta ser afeita à novidades, inovações, mudanças e outros atributos infundidos a este período da vida. A formação da cultura brasileira é influenciada pelos imigrantes e sua ruptura com suas referências anteriores, culminando em uma extrema valorização do novo em detrimento do passado. Este processo de migração é marcado pela forte dominação dos nativos pelos imigrantes, o que não impediu que a miscigenação tenha sido difundida amplamente entre estes. Tal fato marcou profundamente a cultura brasileira que passa a ser referenciada pela sua abertura para o novo, o diferente, o estrangeiro, o que ocorre mesmo nos setores mais conservadores desta sociedade. Com todas as dificuldade e contradições aparentes, a cultura brasileira aprendeu a conviver e articular o espírito conservador com o progressista, o culto às tradições e a valorização do novo.
A cultura brasileira possui valores essenciais da contemporaneidade: a idéia de miscigenação, convivência com as diferenças e com as impurezas (pós-moderno) contidas na mentalidade brasileira, nada mais é que a contraposição ao ideário de pureza da modernidade. Este cultura é extremamente aberta às influências externas, ao nomadismo e ao desapego à identidade nacional. É um povo que possui o desprendimento como norma, venera o estrangeiro, o diferente. Tal valorização do novo e axaltação às ruptura tem fim por valorizar, entre outras coisas, o jovem e a adolescência.
Entre nós, observamos a supervalorização do jovem e a depreciação exagerada dos idosos. A cidade é dos jovens, daqueles que circulam e são alvo de consumo e da publicidade. A cultura da flexibilidade, da mobilidade e da efemeridade elege o adolescente como modelo. O adolescente é reconhecido como um sujeito desterritorializado, plástico, flexível, consumista e narcisistas. Embora tais características não sejam exclusivas dos adolescentes, é sobre eles que ela se faz mais impiedosa.
Neste contexto, prevalece a lógica do imediatismo, onde os sujeitos devem satisfazer suas necessidades e desejos em tempo real. É sobre o adolescente que se realiza, mais extensivamente, a ruptura das fronteiras do tempo tornando-o um sujeito instantâneo, preparado para responder imediatamente as demandas que lhe são colocadas.
O sujeito construído na atualidade não tende para uma estruturação unitária e contínua. Este se constrói em redes e não mais em torno de um centro ou eixo, tal como apresentado nas teorias psicológicas tradicionais.
Com o passar dos anos, observamos mudanças profundas na organização da família devido a transformações nos vínculos amorosos e nos relacionamentos que davam suporte à família tradicional. A dispersão, a instabilidade, a desterritorialização e o desenraizamento tem sido produtores de relacionamentos mais abreviados e instantâneos, incompatíveis com o modelo de família nuclear que marcou durante anos a cultura brasileira.. Com a globalização - aceleração do tempo e a derrubada de fronteiras geográficas e psicossociais - as relações passam a ser mais fluídas e instantâneas, inviabilizando a aliança conjugal eterna. O amor romântico perde espaço para um amor confluente e um relacionamento puro, marcado pela horizontalização e igualdade entre homens e mulheres e a co-satisfação entre os parceiros. A sexualidade visava orientar a busca por outros objetivos além do próprio prazer, atualmente o sexo está desconectado destes outros objetivos, cumprindo apenas a finalidade de satisfação do prazer.
Trata-se de um mundo que não favorece a aproximação entre as pessoas e a criação de vínculos duradouros. Por sua vez, os adolescentes se vêem impelidos a instituir relações instantâneas, voltadas para satisfação de necessidades e desejos imediatos. Entre os vários relacionamentos afetivos típicos da contemporaneidade, destaca-se o “ficar” que, sem dúvida, é o mais expressivo da cultura atual.
A palavra “ficar”, embora nos remeta a sensação de parada e permanência, tem sido utilizada pelos adolescentes para designar um relacionamento episódico e ocasional, na maioria das vezes, com duração de horas que envolvem beijos, abraços e carinhos. Outra característica deste modelo de relacionamento afetivo é que este não implica qualquer compromisso ou envolvimento futuro. “No ficar predomina a sensorialidade, a brevidade do contato, a ausência de exclusividade e de compromisso, a descartabilidade do outro e a não obrigatoriedade da presença de sentimento” (JUSTO, 2005, pág. 71).
Embora o “ficar” seja mais reconhecido e lembrado, os adolescentes apontam o namoro como o relacionamento preferido entre eles– segundo algumas pesquisas realizadas com jovens. Para alguns autores, o “ficar” tem sido utilizado como um primeiro contato, como uma forma de experimentar sentimentos e parceiros; que tem como objetivo explorar parceiros para então constituir relacionamentos mais duradouros, principalmente entre as meninas. Porém, não podemos generalizar tal perspectiva, visto que muitos adolescentes ainda enxergam o “ficar” como um fim em si mesmo, sem perspectiva de compromisso futuro.
Ainda, percebe-se que o “ficar” traz consigo uma questão de gênero, onde fica clara a dominação e submissão histórica da mulher. Embora o ficar venha sendo socialmente aceito pela sociedade, a menina que “fica” com muitos meninos possui maior dificuldade em encontrar namorados firmes, sendo considerada apenas como uma boa parceira para noitadas. Tal fato não caracteriza a desonra da mulher como outrora, porém deixa clara a existência de desigualdade na forma de perceber homens e mulheres. É também sobre as mulheres que mais recaem os dilemas e angústias geradas pelos relacionamentos amorosos e pela sexualidade. Por um lado, o “ficar” apresenta a busca por liberdade e prazer, por outro, aponta dilemas, freios e contradições insuperáveis. A instabilidade traz uma sensação de insegurança e desamparo, ao contraponto que o namoro e casamento trazem uma vida muito limitada e pesada pelos compromissos domésticos.
Portanto, o “ficar” não pode ser considerado um modismo ou um fenômeno superficial e isolado, mas sim um fenômeno típico do tempo e espaço da atualidade. A abreviação do tempo e o caráter efêmero e provisório do “ficar” estão presentes em vários cenários da contemporaneidade, como abreviação dos vínculos empregatícios e rarefação dos relacionamentos sólidos. Logo, os adolescentes permanecem na tensão gerada por modelos de amor e relacionamentos antigos e modelos construídos socialmente na atualidade.

Um comentário:

  1. Meninas!Muito interessante o tema e os textos!Estão de parabéns!
    ;*
    Helisa

    Obs. Postei com o orkut falso das meninas pq não gosto de colocar meus dados em blogs..ehehe vai entender né!? ;P

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